olhos pisados

escrevo até onde me der a dor nos dedos, até as três da manhã. rabisco os nomes delas num guardanapo manchado de gotas de café, e bebo uma dose de uísque doze anos. é o bastante pra não mais querer sair de casa. fico com o chico na vitrola e no texto escrito. ele me diz que as mulheres mínguam à medida que tiram a roupa, os brincos, a pintura, como uma sala quando despojada da mobília. é verdade. e é nessa hora que mais nos vemos loucos. endiabrados de tesão por elas. são elas a medida de tudo que nos move, desde o cheiro ao jeito manso de olhar. impossível não admitir. é por isso que sei, elas têm me tirado o sono e me perpetuado em desejos, em vontades ardentes. na verdade não sei. sou sempre indefeso diante de suas armas, suas muitas táticas incansáveis. estou pensando em não reagir, em não ser tão racional e servir de mim a elas todas, que me procuram e me querem. estou cansado de muito esperar. a mulher do sonho bonito, ela se demora demais. e não posso me privar. eu, um fervoroso admirador do ser feminino. mas que beleza estonteante elas têm. e como são fáceis de se decifrar na complexidade jamais explicada. particularmente, gosto das mais difíceis. das que não se mostram por inteiro no primeiro encontro. essas são as melhores. lembro de tantas assim. confesso que já não mais dos nomes, mas dos gestos, dos jeitos, dos sorrisos faceiros nas horas certas. essas me tiveram de verdade. é por essas que me perco, que me envolvo até a alma. e como homem fraco que sou, que se doa por inteiro, por elas sofro numa felicidade sem fim. porque elas são como a brisa fria que vem do mar, efêmeras e intensas. terei muitas ainda, assim espero. e talvez fique só, não seja de nenhuma em derradeiro, como dizem. talvez. por amá-las demais, cometo erros. ou, quiçá, os acertos necessários pra viver como errante, numa boemia desvairada. sou hoje como um pássaro, vivendo ao acaso, catando as migalhas, perdendo o caminho. mas um dia eu me acho. no sono, acordado, inteiro ou por partes.