terça-feira, 11 de agosto de 2009

dois lados

partiste calada e aflita, talvez pelo tanto que me disseste naquela noite. no frio que fazia, ficaste ainda envolta em meu casaco alguns instantes antes de te despedir. olhaste-me com medo. suplicaste-me alguma promessa, qualquer que fosse, ainda que vaga. eu nada falei. beijaste-me em silêncio. abraçaste-me com afinco. correspondi como podia. olhaste-me novamente, agora de uma outra maneira. mas não consegui decifrar o que dessa vez me diziam os teus olhos. ali, naquele momento, em que me deixavas ao léu, minha percepção de homem coçado falhou. não sabia o que pensar, ou muito pensava, já não me lembro. sei que não foi como das outras vezes, em que partilhávamos a efemeridade feito crianças. tornaste-te mulher, ainda que demoradamente. e fizeste aquela noite acontecer. confessaste-me coisas que eu muito ansiei escutar em outras épocas. declaraste-te minha. enxergaste-me finalmente. encontraste em mim a figura de quem poderia proteger-te da solidão ou, quem sabe, preencher-te com os sentimentos que nunca desfrutaste. porque tu sabias que era eu que sempre voltava, que sempre acreditava em ti, que te sorria sem nada exigir. era eu a te procurar acanhadamente por entre tantos outros que te cortejavam. era eu que te servia de brinquedo nas horas vagas. era eu o teu bicho de estimação que passava fome e mesmo assim não te abandonava. era eu a te servir de amante mal amado. era eu. e naqueles segundos em que me olhaste misteriosamente, talvez tenhas imaginado o quanto já me fizeste sofrer e o quão nada poderias agora esperar de mim. o meu silêncio deve ter engasgado-te a garganta. sentiste, talvez, a angústia de querer-me só agora, tardiamente. e soubeste ali que a vez de aguardar era, enfim, tua. então foste embora. foste com tua vaidade e teus defeitos, tão cheia de mim. deixaste-me. com teus segredos fiquei. com as palavras todas. na incerteza que recobre o acaso. em outra estação, quiçá, encontrar-te-ei para dizer-te as coisas bonitas que um dia para ti escrevi.

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